28/07/2010

Cândido Canela - Poemas


Foto: Acervo da Secretaria Municipal de Educação.

Conhecer a alma desse sertanejo através de seus poemas é um prazer incomensurável.
É uma viagem por Montes Claros de outros tempos!
É uma música relembrada...
É um passeio para pessoas que como eu, têm um pé na roça...

A Cândido Canela, o nosso reconhecimento e respeito!

Sheila Revert.

Abaixo, alguns poemas do autor. Em breve, publicarei vídeo com o poema que amo e faz parte da minha infância: Rebenta Boi. (Já postado anteriormente).

Trint'ano dispois

(Do livro: Lírica e Humor do Sertão)

Morena, bela, iscuta estes meus versos,
ouve, Cabocla, esta triste canção,
qu'eu iscrivi com a pena da sodade
e com a tinta roxa da paixão.

Inda se alembro da premera vez
qu'eu te incontrei na Igreja da Maiada,
inté pensei qui fosse a Virge Santa
qui tava cá imbaxo ajueiada.

E foi ali, Caboca feiticera,
eu ti oiei, vancê tomém me oiou.
E nest'ora ganhei seu coração,
meu coração vancê tomem ganhou.

Nós dois se amemo quatro ano a fio,
nesta fazenda, aqui neste Sertão,
inté que um dia de infilicidade
trouxe pra nós triste disilusão.

E como a Pomba Juriti sodosa,
qui o caçadô matou s cumpanhera
varei o mundo a fora sem distino,
quage trint'ano quage a vida intera.

Sufri na Terra grandes disventura,
ai sempre percurando sempre ti isquecê,
mais cada dia e noite qui passava
mais eu quiria vortá pra vancê.

Aqui cheguei, Morena, nesta Terra,
já tô de vorta, aqui neste Sertão,
véio acabado, fraco e sem dinhêro,
mais tenho novo ainda o coração.

Mais se vancê, Morena, inda quisé,
este caboco véio e sem valia,
abre esta porta e vem me abraçá,
pois eu ti quero mais do quiria.

E ela uviu estes meus versos triste
Esta viola, esta triste canção.
Abriu a porta e veio me abraçá,
e junto ao meu botou seu coração.


Quadras

(Do Livro: Rebenta Boi)

O amor qui a gente teve
de moço fica guardado
pra toda vida no peito,
cum sete chaves trancado.

Sodade, frô da lembrança
matrera recordação,
qui todo mundo curtiva,
no vaso do coração.

O amor é qui nem pinga
que a gente mesmo lambica
quanto mais o tempo passa,
mais gostosa a pinga fica.

Não chore as ruga da face
o tempo é justo, ele é franco
consola com meu cabelo
todo pintado de branco.



Centenário de Cândido Canela

  • Nasceu em Montes Claros, a 22 de agosto de 1910 e faleceu em 07/03/1993 (Montes Claros);
  • Filho de Antonio Canela e de Luiza Simões Canela;
  • Passou toda sua infância na fazenda Vargem Grande, de propriedade de seu pai. (Hoje Rodoviária, Shopping e loteamento);
  • Casou-se com Laurinda Prates de Souza Canela (Falecida);
  • Foi Normalista (O único homem de uma turma de 20 mulheres)-Seu pai queria que fosse médico;;
  • Foi escoteiro;
  • Seresteiro;
  • Revolucionário (1930);
  • Radialista: Na década de 50, mantinha na antiga ZYD-7 o programa "Alma
    cabocla" – dirigido e apresentado por ele. Formava com Antonio Rodrigues a dupla caipira "Chico Pitomba e Mané Juca", com apresentações também na D-7, que levavam o auditório a se sufocar no riso;
  • Editou um jornal humorístico> "O Gangorra", na década de 40- Satírico e muito crítico;
  • Jornalista: Durante 40 anos foi colaborador da Gazeta do Norte do seu amigo "Jair de Oliveira". Colaborou também com O Jornal de Montes Claros, de outro amigo, o Dr. Oswaldo Antunes;
  • Tabelião do Cartório do 1º Ofício por quase 50 anos;
  • Livros publicados: Lírica e Humor do Sertão e Rebenta Boi;
  • Escreveu uma novela, que foi publicada pela Gazeta em capítulos;
  • Com o pseudônimo de "Espiridião Santa Cruz", escrevia cartas como se fosse um montesclarense, que vivia em São Paulo e estava afastado há mais de 30 anos desta cidade. As cartas, muito líricas, eram publicadas na Gazeta do Norte. Eram tão interessantes, que muitos leitores diziam ter conhecido Esperidião.
  • Vereador por dois mandatos,foi o primeiro a levantar a bandeira ecológica na região. Através de um Projeto de sua autoria, promulgou a Lei nº 355, de 12 de abril de 1.957, proibindo a derrubada ou corte da árvore "pequizeiro" (cariocar brasiliense), "coqueiro",
    "macaúba" e "pananzeiro" ou "árvore cabeça de negro";
  • Criou a Lei da "Semana Inglesa", trazendo os plantões de táxis e farmácias, além de beneficiar comerciários;
  • Valorizou o ser humano, utilizando-se do sertanejo, o matuto que representa ou representava as reais virtudes do homem: a honestidade e a essência;
  • Vários poemas sertanejos foram musicados por seu grande amigo e admirador, Téo Azevedo,entre eles: "Saracurinha Três Potes" e Ternos Pingos de Saudade".Com este último, participaram os autores de concurso musical, a nível nacional, da Rádio Record, de São Paulo, sendo classificados. Letra e música, em primeiro lugar geral, o que proporcionou premiação em dinheiro e lindo troféu.




Fonte: Secretaria Municipal de Educação (Com textos de Reivaldo Canela e entrevista a Haroldo Lívio e Waldyr Senna Batista em duas edições do Jornal de Domingo- O Jornal de Montes Claros – de 12.10.80 e 19.10.80 -p.7 a 10 – Material cedido pela neta do autor).

In: descortinandoasletras.blogspot.com

23/07/2010

"Rudy e Fuzil em Montes Claros"

Rudy, Dhiogo Revert, Fernando Brasil e Fuzil

Em 2009, Rudy e Fuzil (leia-se Transalouca), visitaram Montes Claros trazendo o show Fuzilandu- Comédia Stand-up e Dhiogo Revert (2º da esquerda para a direita) marcou presença entrevistando a turma.
Assista ao vídeo em: www.youtube.com/watch?v=eD6W_-3HWD4
(imagem e edição: Fernando Brasil)
É mesmo muiiiiiiiiiiito engraçado!!!!!
Confiram!!!!!!!

21/07/2010

Descortinando Jornais...

Fonte: Jornal O NORTE, 21/07/10, col. Nairlan Clayton Barbosa.

"Arraiá do Sô Moriço - Urgenti"

"Dia pra quem é de dia e noite pra quem é de noite!!!

Vim fazê um convite, amanhã dinoite é vespra di dia di Sô Jão, vô fazê uma foguerinha in casa i ispocar umas pipoca, cunzinhá canjica e fazê um quentão pra isquentá us peitu nessi fri.
Si ocê kisé vin, mi avisa in antes pra saber quem vem pra num fartá dicumê tá baum?
O praz pra respondê termina hoji dinoite e tem mais, vancê vai tê qui me ajudá a gastar pois tá tudo os zói da cara, mais pra vancê e cada cumpanhante seu, vô pidi só cinco reau, pra pudê ficá tudo fartu e num fartá nada.
Óia, num é festa, é coisa umilde pra num passá o dia de Sô Jão in branco tá bão?
Cunfirme sua presença e vamo se advertí.

Pode ser pur moleculá (mandi o moleco i lá in casa avisá)".

Recebi este convite delicioso de um cumpade amigo meu, mas é muito parecido com atividade proposta ainda no tempo do Gestar sobre "Variedades linguísticas": Receita ao moi di ái e ói", não é mesmo? rsrs. Divirtam-se!!!!!

Na foto acima, o "Arraiá do Sô Môriço", na E.M.João Valle Maurício: só animação!!!!!

Visita aos Parques Municipal e Sapucaia


Em culminância ao Projeto sobre "Meio Ambiente" da Professora de Geografia,Vera, fizemos no dia 13/07 visita aos Parques da cidade, com alunos dos 9º anos. Foram momentos alegres e de muito aprendizado.
Aproveitando a oportunidade, solicitei às turmas que tivessem um modo bastante peculiar em olhar cada cantinho, já que o tema desenvolvido em nossas oficinas de Língua Portuguesa é "O lugar onde vivo" (Crônicas) e ali teríamos material farto de pesquisa "in loco".
Acima, alguns desses momentos especiais!

19/07/2010

Aluna da E.M.João Valle Maurício é premiada em concurso de Redação


Através do Concurso de redação e Desenho realizado pelo Corpo de Bombeiros/MG, com o Tema: "Como posso ajudar o Corpo de Bombeiros na prevenção contra acidentes", a minha aluna do 9º ano da E.M.João Valle Maurício,Thalita, obteve o 3º lugar na categoria Redação.

Em solenidade na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a referida aluna recebeu premiação e pode partilhar com todos nós, professores e direção, a alegria em ver nosso nosso nome representado em tão conceituado Concurso.

Parabéns, Thalita!

Parabéns, Bombeiros, pelo brilhante trabalho que desempenham em nossas vidas!!!

Satisfação ao receber os cumprimentos da Vice-prefeita Cristina Pereira.

Só alegria: Tlhalita recebe premiação do Concurso!

A aluna Thalita ladeada pela profª e diretora da escola.

Juntamente com a diretora Lucianna Eloy, a aluna Thalita mostra Certificado.


Cântico VI

Cecília Meireles

Tu Tens um Medo

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.

In: Cecília Meireles – Poesia Completa

Volume 4 – p.193


Canção da Tarde no campo

Caminho do campo verde
estrada depois de estrada.
Cerca de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.

Eu ando sozinha
no meio do vale.
Mas a tarde é minha.

Meus pés vão pisando a terra
Que é a imagem da minha vida:

tão vazia, mas tão bela,
tão certa, mas tão perdida!

Eu ando sozinha
por cima de pedras.
Mas a tarde é minha.

Os meus passos no caminho
são como os passos da lua;
vou chegando, vai fugindo,
minha alma é a sombra da tua.

Eu ando sozinha
por dentro de bosques.
Mas a fonte é minha.

De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto,
meu peito é puro deserto.
Subo monte, desço monte.

Eu ando sozinha
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.

In: Cecília Meireles – Poesia Completa
Volume 1 – p.134/135.

Dois poemas que amo!
Apreciem sem moderação!!!!





12/07/2010

Por que sonhas, Minas?

Roberto Drummond

Minas Gerais: há sempre uma procissão passando, um sino tocando nas igrejas e nos corações, e uma conspiração em curso.

Ah, Minas Gerais: de onde vem essa rua permanente, clandestina, diária, camuflada, subversiva inconfidência?

Vem dos cristãos novos, que se asilaram em tuas cidades e aportuguesaram os nomes suspeitos?

Vem dos negros que fizeram de ti a África-mãe?

E essa tua mania, Minas Gerais, de ser altaneira, de não ficar de joelhos a não ser diante de Deus e dos teus santos de fé, e, ao mesmo tempo, ficar olhando para o chão, para os lados, de nunca encarar o teu interlocutor ou inquisidor, de onde vem teu jeito simulado, Minas Gerais?

Por que sempre parece que tens medo, Minas Gerais?

Por que tua coragem, de dar um boi para não entrar numa briga e uma boiada para não sair, vem sempre travestida, disfarçada?

Por que, Minas Gerais?

Amo em ti, Minas Gerais, não apenas essa rebelião que carregas no peito como um vulcão clandestino, amo em ti o culto dos sonhos impossíveis.

A liberdade era a amante mais desejada, mais sonhada de Tiradentes, era seu sonho impossível - e, por ele, Tiradentes morreu.

Teu filho Santos Dumont deu asas ao impossível sonho humano de voar.

E antes de Santos Dumont, o que foi o Aleijadinho, senão um mágico que transformava em realidade impossível sonhos em pedra-sabão?

Minas Gerais: Juscelino plantou uma flor de concreto, a que deu nome de Brasília, no cerrado. Era também a realização do impossível. E teu filho e rei, Pelé, nascido em Três Corações, escolhia os mais tortuosos e difíceis caminhos para o gol, e sempre perseguiu o gol impossível, o único que não conseguiu realizar: o de surpreender o goleiro com um chute de longa distância.

Minas Gerais: amo em ti a contradição.

És barroca em Ouro Preto, tiradentes, Diamantina, Congonhas e Mariana, e moderna na Pampulha.

Aqui, tu acendes o fogo, incendeias os corações: ali tu és, minas Gerais, a água na fervura, a água apagando o fogo.

Tu és sertão e cidade, és o passado e o presente, és o Rio Doce e rios amargos, trágicos, és um casarão com 38 janelas e és uma casa moderna e ensolarada.

Por que sonhas, Minas Gerais?

E por que, Minas Gerais, quando sorris, quando estás alegre, sempre acabas punindo tua própria alegria, como se ela, como tus sonhos de liberdade, te fosse proibida?

Por que sempre estás pensando que comete um grave pecado, Minas Gerais?

Por que teus filhos rezam mesmo quando são ateus?

Por que, Minas Gerais, por quê?

  • In: As Cem Melhores Crônicas Brasileiras - Seleção de Joaquim Ferreira dos Santos - Objetiva - p.277/278 .

07/07/2010

“A crônica: um gênero tão livre e tão perigoso”

 


 

"Já escrevi mais de cinco mil crônicas. E a uns estudantes que me pediram uma síntese sobre o gênero, respondi o seguinte:
É o samba da literatura. É ao mesmo tempo, a poesia, o ensaio, a crítica, o registro histórico, o factual, o apontamento, a filosofia, o flagrante, o miniconto, o retrato, o testemunho, a opinião, o depoimento, a análise, a interpretação, o humor. Tudo isso ela contém, a polivalente. Direta a simples como um samba. Profunda como a sinfonia
".


(Artur da Távola, Jornal O Dia, 27 de junho de 2001.)

Fonte: site: escrevendoofuturo.org.br/crônicas.


 

Olimpíada de Língua Portuguesa: Alunos do 9º ano da E.M.João Valle
Maurício escrevem sobre fatos corriqueiros da nossa cidade, tendo como tema "O lugar onde vivo".

Sabemos que o caminho não é fácil, mas a oportunidade em descobrir novos olhares sobre o lugar-comum é gratificante.

Posteriormente publicaremos textos construídos em sala de aula.


 

*Abaixo, algumas crônicas que fizeram parte do meu universo adolescente e que são inesquecíveis, e uma amostra de material produzido por escritores da nossa cidade.

 

Evolução do vídeo-game:Resumo de um vício

Por Dhiogo Revert


 

- E aí!
- E aí.
- Pô, legal esse teu mini-game, hein?!
- De carrinho. To com 2000 pontos.
- Bateu!
- Culpa sua! Me atrapalhou e eu escorreguei na graxa.
- Sem problema, muda o pino do cartucho.
- Não dá!
- Por quê?!
- Game over, caí no buraco do jacaré. Maldito Jacaré!
- Agora sim, está com pontos suficientes!
- Também nem interessa. Eu quero é resgatar logo essa princesa.
- Filho, visita pra você!
- Diz que eu morri!
- Credo, sem educação!
- Calma. Ainda tenho dois continues.
- Vá atender!
- Ninguém sai! Logo gora que eu peguei o escudo da Mônica?
- Fala galera.
- E aí.
- E aí.
- Vai, vai, vai, vaaai! Urra! Tu não catou as argolas...
- Cara, isso é rápido!
- De boa. Eu peguei a peninha. Agora ficou fácil.
- Eu também quero!
- Calma, são dois.
- Amigos, somos três.
- Macacos. Eu vou primeiro.
- Tenho que ir. São várias matérias.
- Ninguém sai!
- Isso, combina as matérias! Não bate no escorpião agora, espera abaixar a cauda.
- Burro!
- Burro!
- Cheguei tarde?
- E aí.
- E aí.
- E aí.
- Ainda bem que você salvou.
- Ihh, cd arranhado.
- Pronto, salvei! Era só tocar aquela flauta.
- Ocarina.
- Bacana, chama a Karina também. Quanto mais gente, melhor.
- Mata, mata, mataa!!
- Burro!
- Burro!
- Burro!
- Fui atropelar a velhinha, encheu de gang na minha cola!
- Passa pra mim!
- GOOOOOOOOOOOOOOOOOL!
- Droga! Sorte de principiante!
- Tua irmã tá na porta.
- Ninguém entra!
- Ninguém sai!
- Seguraa!
- Aí, to falando! Saiu!
- Maldita banana! Voltei pra pista mas não deu tempo.
- Agora é sério, vou embora. Deu dor no ombro.
- Te avisei, mexe o controle demais! É só fazer assim!
- Burro!
- Burro!
- Burro!
- (Burro!)
- Sai da porta, Joana! Ninguém te perguntou!
- Dá aqui. Mexe o braço assim que acerta os pinos.
- Do cartucho?!
- Do boliche. O que é cartucho?
- Bom, estou gordo mesmo. É até um exercício.
- Sobe na balança.
- Viraaaa!!!
- Mete a espada no dinossaurão. Isso, isso!
- Burro, deixou sair!
- Ninguém sai!
- Ninguém sai!
- Ninguém sai!

P.S.: Games citados: Mini-game qualquer de carro, Gran Prix (Atari 2600), Pitfall (Atari 2600), Super Mario Brós (NES), Mônica no Castelo do Dragão (Master System), Sonic The Hedgehog (Mega Drive), Super Mario World (SNES), Donkey Kong Country (SNES), Final Fantasy VII (Playstation), The Legend of Zelda – Ocarina of Time (Nintendo 64), Grand Theft Auto (Playstation 2), Winning Eleven (Playstation II), Mario Kart (Game Cube), Wii Sports (Wii), Wii Fit (Wii), Monster Hunter.

Fonte: revertendoascoisas.blogspot.com

*Dhiogo Revert é acadêmico do 6º Período de Jornalismo e locutor em Montes Claros/MG.

06/07/2010

O mundo numa escova de dentes

Daiane Andrade

Passar pelas ruas, seja a trabalho ou passeio, a pé ou motorizado, é navegar pelos mares de histórias que cada pessoa traz. Cada rosto anônimo na multidão é todo um universo, uma história, uma odisseia, uma religião. São montanhas de experiências, amores, ideologias, sonhos e ressentimentos...
Sempre gostei de imaginar o que está por trás de um rosto anônimo na multidão. A quantidade de subjetivismo na escolha de uma cor de cabelo, o grito de próprio casulo querendo se exteriorizar através de uma aparentemente simples vestimenta, tudo isso me fascina.
Ontem, o que me chamou a atenção fazendo a mente perambular por hipóteses mirabolantes foi uma escova de dentes branca perdida em meio ao tráfego descomunal da avenida mais movimentada de Montes Claros.
Aquela escova ali, imóvel em meio ao tumultuado cotidiano das pessoas não tinha nada de silenciosa, talvez trazia um tanto de mistério, mas, ainda que imóvel, como dizia aquela escova!
Para alguns, ela falava de um romance, brigas, separação passional de escovas e corpos: a bolsa arrumada às pressas, um zíper aberto e, por fim, ela caída ali.
Outros juram que ela narrou que caíra de uma mochila pertencente a um jovem que passara carnaval em Diamantina e chegando repleto de sono, nem percebera o sumiço involuntário da companheira higiênica.
Os mais taciturnos delongaram numa triste história de vida, afirmando que ela era instrumento de trabalho de um lavador de carro e motos que, ao voltar cansado do trabalho, não notou quando ela caíra da sacolinha plástica.
A escova falou!!! Ali, no chão, ela era a imagem metonímica dos raros momentos em que nossa mente devaneia no eterno encantamento e enigma que é "a vida dos outros".

Fonte: milternurinhas.blogspot.com

*Daiane Andrade é professora de Língua Portuguesa em Montes Claros/MG.

Atleticano vira Cruzeirense?

Nairlan Clayton Barbosa

Dia desses aí indo de volta pra casa depois de um dia tenebroso de trabalho, falo tenebroso porque, sinceramente gente, o batidão das horas de labor são deveras e naturalmente estressante. Não que a gente não goste desse ofício maravilhoso que é ser porta voz da notícia, nem reclamando estou. É que o corre-corre daqui pra lá, de lá pra cá nos causa mesmo um cansaço físico e mental, normal para quem vive atrás de apurar factos. Mas, como diria de forma feliz o Editor-chefe Ricardo Freitas: "No fim tudo dá certo".

Então, como estava lembrando, dia desses subindo a charmosa, caliente, histórica e voluptuosa Melo Viana, não poderia deixar de passar em branco, ou passar direto seguindo em frente sem não aportar no local mais badalado dessa primitiva via montesclarina. É esteio do time que não é do meu coração, isso é verdade. Mas os amigos que por lá passeiam o são, sem sombra e nem margem para nenhuma dúvida. Aliás, tenho visto a sutileza eclética com que Joãomar Galdino tem aceitado freguesias diversas, escudos diferentes, camisas das mais variadas cores no seio do imortal Azul e Branco, ponto de encontro dos amigos na esquina da Melo Viana com a Professor Álvaro Prates.

E quando digo que Joãomar tem feito do seu bar uma vitrine futebolística, quero provar a minha tese.

Por exemplo, ontem me deparei com Bibi vestido com a camisa do Villa Nova de Nova Lima. É isso mesmo, estou me referindo ao Leão do Bonfim. Certamente, Bibi deve ser torcedor do Villa desde criancinha, pressupõe-se.

Outro freqüentador assíduo é o flamenguista Toni Pindoga. Virou figura típica daquele logradouro beleza pura. Pelo menos duas vezes ao dia é preciso recorrer às previsões do Guru para anteceder os resultados da "Loteca" e quem sabe até arriscar uma fezinha baseado no seu prognóstico.

Aí nesta lista nos referimos aos Botafoguenses Jorge Bodera e Márcio Goulart. Os cruzeirenses de praxe e já esperados diariamente, como Maza, Wilson, Carlinhos, Zé Carlos e tantos outros. Aliás, outro dia Toni Pindoga me mostrou uma foto antiga dos jogadores "profissionais" do pé do morro e nela, amarelada pelo tempo, naquela famos foto oficial antes do jog estava o Zé Carlos com uma cabeleira maior que a do Toni Tornado na época de ouro da Soul Music. Quem te viu, quem te vê. Tudo que se observa com raridade na cabeça do Zé hoje é cabelo. Mas tudo bem, se lhe faltam fios capilares, sobra experiência e muita história pra contar.

Mas tem a turma nova também, e é sobre esta que quero me referir nesse meu "causo" intrínseco que sofreu análises, as mais didáticas, em virtude da sua profundidade bucólica e bossal.

Na mesa do lado de fora do Azul e Branco refestelavam-se entre um gole e outro três figuras pitorescas e extremamente divertidas no dia a dia dos moradores da colina Dona Germana.

Eram eles Andrezinho, Márcio e Índio. Num bate papo animado de fim de tarde início de noite como é de costume. Mais para fim de noite do que para fim de tarde.

Ao subir para o descanso noturno, fui pego, de chofre, com uma pergunta extremamente profunda e de diversas interpretações, pergunta esta que me tomou um desejo caloroso de dividi-la com meus leitores.

Afinal, a dúvida sumária é: Um atleticano pode tornar-se cruzeirense?

Índio me mostrou foto de William com camisa do Cruzeiro, logo William que é um atleticano declarado. Mas a situação alcoólica em que William se encontrava visualmente na foto não se pode afirmar nada. Invalida o documento. Assim, não foi aceita como prova do crime. Digo isso por que é um crime inafiançável um sujeito trocar a casaca dessa maneira, ainda mais para o seu arqui-inimigo mortal. Mas, descredibilizo a foto feita. Preparada. Foi sacanagem do Índio.

De qualquer forma, a lebre foi levantada e despertou curiosidades mil. O inverso eu conheço, e são milhares de casos de Cruzeirenses virarem alvinegros, sendo o caso mais famoso o do cantor Vander Lee que pertencia a Máfia Azul e hoje defende a Galoucura. Virou atleticano, contagiado pela Massa alvinegra do Gigante Pampulha. Outro exemplo mais próximo é o do próprio Andrezinho, que, após a presença no jogo em que o Galo sagrou-se campeão da série B, virou mesmo a casaca e hoje é um atleticano nato, convicto.

Mas, um atleticano virar cruzeirense ainda não foi fato divulgado na mídia. Ainda é inexistente nos anais da história.

Pronto. Foi o suficiente para mexer com uma gama de pesquisa que já moveu um sem número de opinadores com suas mais diferentes teses.

Foram gastos alguns minutos preciosos para debatermos este verdadeiro imbróglio submetido a análise e opinião dos mais conceituados jornalistas esportivos.

Geraldo Sá jura ter um amigo que era atleticano e virou cruzeirense. Saulo Souza tem nomes. Samuel Nunes pressionou Lucilene Porto a dizer que já tinha sido atleticana e que hoje é cruzeirense, sob a premissa de joga-la do lado de fora do carro em movimento. Pra mim assim não vale.

Foram muitas as tentativas, mas ninguém ainda me deu uma resposta satisfatória a esta pergunta.

Sendo assim, acho que me resta não aceitar nada como fato, mesmo por que se existiu nesse mundo um atleticano que virou cruzeirense, resta-nos a conclusão mais plausível e real de que tal ser duvidoso jamais foi atleticano, por que torcedor que é torcedor do Galo, jamais abandona este vício chamado Clube Atlético Mineiro.

Ser Atleticano é assim.

Não se explica.

Se sente

Brasil 4 X 0

Assistindo ao jogo no sábado tive a impressão de que o Brasil não estava jogando contra o Uruguai, mas sim contra o peru.
Não o Peru Seleção.
Mas o Peru, denominação que se dá quando um goleiro engole um frango daqueles.
Pagamos na mesma moeda ao time protagonista do famoso "Maracanazo" de 1950.
Aliás, na mesma moeda não.
O Brasil perdeu do Uruguai aqui por 2 a 1.
No Centenário em Montevidéu massacramos a Celeste Olímpica por simples 4 a 0.
Não que eu goste dessa seleçãozinha "chinfrin" do Dunga.
Mas, acho que lavamos a alma com os tais 4 a zero.
Claro que o Brasil ganhou do Uruguai em outras ocasiões, mas nunca por um placar tão elástico.
Como dizem os mais entendidos que "Tabus são para ser quebrados", então realmente depois de 33 anos, o Brasil voltou a sorrir sob o céu da linda capital uruguaia.
Mas, o Peru que o goleiro celeste levou ajudou em muito a desestabilizar a equipe dos Pampas.
Foi um lance muito parecido ao que o goleiro Valdir Peres levou em 1982 quando o Brasil abriu a copa do mundo enfrentando a seleção toda poderosa da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Ainda bem que tínhamos Sócrates e Éder para nos livrar, naquele lance magistral onde o Cracasso Falcão deixou a bola passar por baixo das canetas e o Éder Aleixo meteu um bombasso fulminante contra a meta de Dassaiev, que só pode buscar a pelota no fundo das redes. Eu era adolescente ainda mas a imagem ficou cravada na minha mente.
De qualquer maneira, antes da bonança houve a tempestade.
Sábado a pobre criatura do Uruguai engoliu um peru do tamanho da Guerra dos Farrapos.
O autor da proeza foi Daniel Alves. Confesso que não conhecia do futebol do Daniel Alves, e continuei sem conhecer, por que ele simplesmente sumiu em campo, assim como sumiu Kaká. A defesa brasileira não chegou a comprometer, mas o Júlio César teve que fazer algumas defesas surpreendentes e muito provavelmente foi o melhor jogador em campo conforme a crônica carioca esclareceu. E olha que a crônica carioca falar mal da CBF e do Dunga é realmente um "must".
De qualquer maneira, vou me restringir a alegria do brasileiro que foi ganhar do selecionado Uruguaio em pleno Centenário. Vamos comemorar enquanto ainda podemos não é verdade?
Pois que assim seja.
E vamos agradecer demais ao peru engolido pelo goleiro do Uruguai, afinal de contas, foi a abertura da porteira pro resto que veio.
Afinal de contas o torcedor brasileiro merece uma alegria de vez em quando.
Eu só espero que quando chegar a Copa da África, o Brasil consiga ser fulminante contra as seleções que ele irá enfrentar.
Aí é que a porca torce o rabo.

Fonte: www.sapatada.futblog.com.br

Nairlan Clayton Barbosa é comentarista esportivo e locutor em Montes Claros/MG.

A estranha passageira

Stanislaw Ponte Preta

- O senhor sabe? É a primeira vez que eu viajo de avião. Estou com zero hora de vôo – e riu nervosinha, coitada.

Depois me pediu que eu me sentasse ao seu lado, pois me achava muito calmo e isto iria fazer-lhe bem. Lá se ia a oportunidade de ler o romance policial que eu comprara no aeroporto, para me distrair na viagem. Suspirei e fiz o bacano respondendo que estava às suas ordens.

Madama entrou no avião sobraçando um monte de embrulhos, que segurava desajeitadamente.

Gorda como era, custou a se encaixar na poltrona e arrumar todos aqueles pacotes. Depois não sabia como amarrar o cinto e eu tive que realizar essa operação em sua farta cintura.

Afinal estava ali pronta para viajar. Os outros passageiros estavam já se divertindo às minhas custas, a zombar do meu embaraço ante as perguntas que aquela senhora me fazia aos berros, como se estivesse em sua casa, entre pessoas íntimas. A coisa foi ficando ridícula:

- Para que esse saquinho aí? - foi a pergunta que fez, num tom de voz que parecia que ela estava no Rio e eu em São Paulo.

- É para a senhora usar em caso de necessidade - respondi baixinho.

Tenho certeza de que ninguém ouviu minha resposta, mas todos adivinharam qual foi, porque ela arregalou os olhos e exclamou:

- Uai... as necessidades neste saquinho? No avião não tem banheiro?

Alguns passageiros riram, outros - por fineza - fingiram ignorar o lamentável equívoco da incômoda passageira de primeira viagem. Mas ela era um azougue (1) (embora com tantas carnes parecesse mais um açougue) e não parava de badalar. Olhava para trás, olhava para cima, mexia na poltrona e quase levou um tombo, quando puxou a alavanca e empurrou o encosto com força, caindo para trás e esparramando embrulhos para todos os lados.

O comandante já esquentara os motores e a aeronave estava parada, esperando ordens para ganhar a pista de decolagem. Percebi que minha vizinha de banco apertava os olhos e lia qualquer coisa. Logo veio a pergunta:

- Quem é essa tal de emergência que tem uma porta só pra ela?

Expliquei que emergência não era ninguém, a porta é que era de emergência, isto é, em caso de necessidade, saía-se por ela.

Madama sossegou e os outros passageiros já estavam conformados com o término do "show".

Mesmo os que mais de divertiam com ele resolveram abrir os jornais, revistas ou se acomodarem para tirar uma pestana durante a viagem.

Foi quando madama deu o último vexame. Olhou pela janela (ela pedira para ficar do lado da janela para ver a paisagem) e gritou:

- Puxa vida!!!

Todos olharam para ela, inclusive eu. Madama apontou para a janela e disse:

- Olha lá embaixo.

Eu olhei. E ela acrescentou: - Como nós estamos voando alto, moço. Olha só... o pessoal lá embaixo até parece formiga.

Suspirei e lasquei:

- Minha senhora, aquilo são formigas mesmo. O avião ainda não levantou vôo.


 

Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo de Sérgio Porto, 1923 – 1968). Cronista, escreveu para jornais, rádio e televisão, criando uma galeria de personagens, por meio dos quais satirizava a vida carioca e nacional. Principais obras: Tia Zulmira e eu: Primo Altamirando e elas: O festival de besteiras que assola o país: Febeapá nº2:Febeapá nº 3: O distraído Rosamundo: Bonifácio, o patriota: País do crioulo doido: A máquina de fazer doido.


Vamos Acabar Com Esta Folga

Stanislaw Ponte Preta
(Sérgio Porto)


O negócio aconteceu num café. Tinha uma porção de sujeitos, sentados nesse café, tomando umas e outras. Havia brasileiros, portugueses, franceses, argelinos, alemães, o diabo.

De repente, um alemão forte pra cachorro levantou e gritou que não via homem pra ele ali dentro. Houve a surpresa inicial, motivada pela provocação e logo um turco, tão forte como o alemão, levantou-se de lá e perguntou:

— Isso é comigo?

— Pode ser com você também — respondeu o alemão.

Aí então o turco avançou para o alemão e levou uma traulitada tão segura que caiu no chão. Vai daí o alemão repetiu que não havia homem ali dentro pra ele. Queimou-se então um português que era maior ainda do que o turco. Queimou-se e não conversou. Partiu para cima do alemão e não teve outra sorte. Levou um murro debaixo dos queixos e caiu sem sentidos.

O alemão limpou as mãos, deu mais um gole no chope e fez ver aos presentes que o que dizia era certo. Não havia homem para ele ali naquele café. Levantou-se então um inglês troncudo pra cachorro e também entrou bem. E depois do inglês foi a vez de um francês, depois de um norueguês etc. etc. Até que, lá do canto do café levantou-se um brasileiro magrinho, cheio de picardia para perguntar, como os outros:

— Isso é comigo?

O alemão voltou a dizer que podia ser. Então o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e veio vindo gingando assim pro lado do alemão. Parou perto, balançou o corpo e... pimba! O alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com tanta força que quase desmonta o brasileiro.

Como, minha senhora? Qual é o fim da história? Pois a história termina aí, madame. Termina aí que é pros brasileiros perderem essa mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros.


Um texto curto, extraído do livro "O Melhor da Crônica Brasileira - 1", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1997, pág. 71, nos faz recordar o humor de Stanislaw (Sérgio Porto) e pensar na falta que ele nos faz.